Tudo acontece por acaso.
Ela tinha um sorriso esplêndido. Sorria coma alma. De orelha a orelha. Achava que a vida merecia um pouco mais de sua atenção e seu carinho.
- Não, não é a vida que deve me abraçar. Eu que devo acolher a vida, com todo carinho, delicadeza e força que eu puder. – dizia ela.
Ela achava que os problemas não deveriam fazer com que a vontade que ela tinha de peitar o mundo sumisse, de mansinho, como quem foge a noite.
- Eu sou a sentinela. Eu cuido. Quando ouço passos indo distantes, no meu coração, pela madrugada, eu que devo tratar de segui-los, apanhá-los e dizer que não devem ir embora. Que se aqui no meu peito anda meio que difícil sobreviver, onde sobreviveria sem mim? Eu dependo de vocês para ter forças pra encarar a vida todos os dias e vocês, meus sonhos, precisam estar no meu peito se um dia quiserem chegar a se algo. Se vocês quiserem virar realidade.
Ela achava que o problema do abandono, da marginalização de pessoas, da falta de instrução, da miséria e do desrespeito era da sociedade ela também era sociedade. Logo, o problema também era muitíssimo dela. Ela deveria lutar, e lutava, com a mesma força pelos sentimentos dos outros que pelos seus.
- Só quando todos tiverem alcançado uma vida boa e plena, só quando todos tiverem educação, emprego e saúde, nós, que somos sociedade, viveremos bem.
Não dispensava ninguém sem um muito sincero “bom dia!”. Não cruzava os braços sem tentar realizar aquele sonho que não deixaria fugir em hipótese nenhuma. Não via criança com fome que não a sensibilizasse. A qual, sempre que dispunha condições, pagava um bom sanduíche. E sempre, sempre carregava consigo o número do Conselho Tutelar, pois, no que fosse possível a ela, aquelas crianças teriam futuro.
Trabalhava de secretária das oito às dezessete horas. Corria, comia e estudada, Queria ser socióloga.
Lutava, corria, batalhava. Afinal, ela queria realizar seus sonhos.
Certo dia, seguia às pressas pela rua. Saiu tarde do trabalho e precisava estar ás dezoito horas em ponto na faculdade. Tinha prova. Matéria complicada. Daquelas difíceis, as quais não gostaria de ter repetidas no próximo período. Aliás, no próximo período tinha monografia. Não podia em hipótese nenhuma se sair mal em alguma prova.
Andava rápido, quase corria. Livros nas mãos, bolsa pendurada, cabelo caído pelo rosto. Muita pressa. Seguia em direção ao metrô.
Passou por um jovem que a olhou de forma esquisita. Sentiu-se abordada. Disse bom dia e não ouviu resposta. Pensou que devia perder a mania de cumprimentar estranhos. Continuou seu caminho.
Pouco a frente sentiu uma mão pesada tocar seu ombro. Virou-se e viu o mesmo rapaz. Sorriu e perguntou:
-Posso ajudar?
-Me passa todo dinheiro que você tiver dentro da carteira.
-Olha, eu tenho pouco dinheiro aqui e preciso dele pra pagar umas xérox na faculdade, meu lanche e um livro que preciso adquirir para ler ainda essa noite. Nada mais do que dinheiro pra isso. Eu faço faculdade ainda, não tenho mais dinheiro.
-Não te perguntei o que você faz sua vaca. Passa seu dinheiro que hoje eu quero cheirar.
-Não faz isso comigo. Se você quiser comer algo, eu te dou dinheiro, mas não leve tudo que tenho. Preciso dele.
Nesse momento, o rapaz, que ela acabava de descobrir que era um viciado, desses que a sociedade e ela conseguiram excluir e não cuidar, colocou a mão no bolso e sacou uma arma, pois havia percebido que ela não tinha medo das pessoas que moravam na rua.
-Se você não me der esse dinheiro todo agora eu vou atirar na sua cabeça. – falou apontando a arma para ela.
- Tome. É todo seu, mas abaixe a arma.
Nesse momento, pessoas que passavam ao redor gritavam, assustavam-se. Temiam que o pior acontecesse àquela moça, cheia de livros e bolsas, com o cabelo caído no rosto.
O rapaz também se assustou. Algum tempo sem a droga, estava nervoso, alucinado, sedento e já com o psicológico alterado, arruinado devido ao uso de substâncias tóxicas desde a infância. Por medo pensou em fugir. Olhava pro lado gritando as pessoas pra que calassem a boca. Rodava os olhos e a cabeça, mas mantinha a arma apontada no rosto da moça.
Ela fechava os olhos, ficava quieta, soluçava. Ela não sabia que reação ter. Abaixando a cabeça, os cabelos caíam ainda mais sobre o seu rosto. Não reagia mais. Nem falava mais.
Ela achava, com um fundo de esperança que aquele momento iria passar. Que em poucos minutos estaria de volta a caminho da faculdade, para fazer a prova, na qual se sairia bem, pra começar o próximo período depois, pra fazer a tão sofrida e trabalhosa monografia.
Ele continuava assustado. Amedrontado. Ele queria fugir, mas ouvia as pessoas gritando, com pena da moça, querendo ajudá-la.
-Você se ferrou.
Um estouro, um barulho que machuca mais o peito do que os ouvidos. Um barulho que ecoa na cabeça de quem viu.
Ela nesse momento não teve tempo de pensar e sonhar mais nada.
Ele correu. Pessoas estáticas começaram a moverem-se em direção a moça.
Livros caíam. A bolsa se encontrou com o chão. O cabelo agora estava manchado de vermelho.
Ela não resistiu. Morreu. Pessoas se ajuntaram com pêsames e piedade. Sentimentos sinceros de desconhecido.
Ela tinha um sorriso esplêndido.
- Não, não é a vida que deve me abraçar. Eu que devo acolher a vida, com todo carinho, delicadeza e força que eu puder. – dizia ela.
Ela achava que os problemas não deveriam fazer com que a vontade que ela tinha de peitar o mundo sumisse, de mansinho, como quem foge a noite.
- Eu sou a sentinela. Eu cuido. Quando ouço passos indo distantes, no meu coração, pela madrugada, eu que devo tratar de segui-los, apanhá-los e dizer que não devem ir embora. Que se aqui no meu peito anda meio que difícil sobreviver, onde sobreviveria sem mim? Eu dependo de vocês para ter forças pra encarar a vida todos os dias e vocês, meus sonhos, precisam estar no meu peito se um dia quiserem chegar a se algo. Se vocês quiserem virar realidade.
Ela achava que o problema do abandono, da marginalização de pessoas, da falta de instrução, da miséria e do desrespeito era da sociedade ela também era sociedade. Logo, o problema também era muitíssimo dela. Ela deveria lutar, e lutava, com a mesma força pelos sentimentos dos outros que pelos seus.
- Só quando todos tiverem alcançado uma vida boa e plena, só quando todos tiverem educação, emprego e saúde, nós, que somos sociedade, viveremos bem.
Não dispensava ninguém sem um muito sincero “bom dia!”. Não cruzava os braços sem tentar realizar aquele sonho que não deixaria fugir em hipótese nenhuma. Não via criança com fome que não a sensibilizasse. A qual, sempre que dispunha condições, pagava um bom sanduíche. E sempre, sempre carregava consigo o número do Conselho Tutelar, pois, no que fosse possível a ela, aquelas crianças teriam futuro.
Trabalhava de secretária das oito às dezessete horas. Corria, comia e estudada, Queria ser socióloga.
Lutava, corria, batalhava. Afinal, ela queria realizar seus sonhos.
Certo dia, seguia às pressas pela rua. Saiu tarde do trabalho e precisava estar ás dezoito horas em ponto na faculdade. Tinha prova. Matéria complicada. Daquelas difíceis, as quais não gostaria de ter repetidas no próximo período. Aliás, no próximo período tinha monografia. Não podia em hipótese nenhuma se sair mal em alguma prova.
Andava rápido, quase corria. Livros nas mãos, bolsa pendurada, cabelo caído pelo rosto. Muita pressa. Seguia em direção ao metrô.
Passou por um jovem que a olhou de forma esquisita. Sentiu-se abordada. Disse bom dia e não ouviu resposta. Pensou que devia perder a mania de cumprimentar estranhos. Continuou seu caminho.
Pouco a frente sentiu uma mão pesada tocar seu ombro. Virou-se e viu o mesmo rapaz. Sorriu e perguntou:
-Posso ajudar?
-Me passa todo dinheiro que você tiver dentro da carteira.
-Olha, eu tenho pouco dinheiro aqui e preciso dele pra pagar umas xérox na faculdade, meu lanche e um livro que preciso adquirir para ler ainda essa noite. Nada mais do que dinheiro pra isso. Eu faço faculdade ainda, não tenho mais dinheiro.
-Não te perguntei o que você faz sua vaca. Passa seu dinheiro que hoje eu quero cheirar.
-Não faz isso comigo. Se você quiser comer algo, eu te dou dinheiro, mas não leve tudo que tenho. Preciso dele.
Nesse momento, o rapaz, que ela acabava de descobrir que era um viciado, desses que a sociedade e ela conseguiram excluir e não cuidar, colocou a mão no bolso e sacou uma arma, pois havia percebido que ela não tinha medo das pessoas que moravam na rua.
-Se você não me der esse dinheiro todo agora eu vou atirar na sua cabeça. – falou apontando a arma para ela.
- Tome. É todo seu, mas abaixe a arma.
Nesse momento, pessoas que passavam ao redor gritavam, assustavam-se. Temiam que o pior acontecesse àquela moça, cheia de livros e bolsas, com o cabelo caído no rosto.
O rapaz também se assustou. Algum tempo sem a droga, estava nervoso, alucinado, sedento e já com o psicológico alterado, arruinado devido ao uso de substâncias tóxicas desde a infância. Por medo pensou em fugir. Olhava pro lado gritando as pessoas pra que calassem a boca. Rodava os olhos e a cabeça, mas mantinha a arma apontada no rosto da moça.
Ela fechava os olhos, ficava quieta, soluçava. Ela não sabia que reação ter. Abaixando a cabeça, os cabelos caíam ainda mais sobre o seu rosto. Não reagia mais. Nem falava mais.
Ela achava, com um fundo de esperança que aquele momento iria passar. Que em poucos minutos estaria de volta a caminho da faculdade, para fazer a prova, na qual se sairia bem, pra começar o próximo período depois, pra fazer a tão sofrida e trabalhosa monografia.
Ele continuava assustado. Amedrontado. Ele queria fugir, mas ouvia as pessoas gritando, com pena da moça, querendo ajudá-la.
-Você se ferrou.
Um estouro, um barulho que machuca mais o peito do que os ouvidos. Um barulho que ecoa na cabeça de quem viu.
Ela nesse momento não teve tempo de pensar e sonhar mais nada.
Ele correu. Pessoas estáticas começaram a moverem-se em direção a moça.
Livros caíam. A bolsa se encontrou com o chão. O cabelo agora estava manchado de vermelho.
Ela não resistiu. Morreu. Pessoas se ajuntaram com pêsames e piedade. Sentimentos sinceros de desconhecido.
Ela tinha um sorriso esplêndido.
Comentários
Talvez se existissem mais pessoas com o pensamento da moça da história, haveria menos "jovens" como o que a matou.
É uma questão de egocentrismo que está explicitamente estampada em toda sociedade, triste fim.
Muito belo seu trabalho, Gabriela! Parabéns!